12 de julho de 2013

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS (5 - 1ª PARTE)
 
5 — DESPORTO E CULTURA EM SHERLOCK HOLMES (CONCLUSÃO)
 

 
As palavras de Winwood Read:
Embora o homem individual seja um enigma absoluto, o agregado humano representa a certeza matemática. Nunca se pode predizer poe exemplo, o que fará um homem, mas é possível prever as atitudes do grupo humano!
Os indivíduos variam, mas as percentagens parecem constantes. Assim falam as estatísticas.
Salta para a filosofia e a religião. Holmes estava dividido entre a fé e a dúvida; é todavia um crente, considerando o desabafo em “A Caixa Macabra”:
— Qual é o significado de tudo isto Watson? V proferiu Holmes em tom solene… Que propósito anima este ciclo de desgraça, violência e terror? Deve tender para um fim.
De outro modo, o nosso universo seria governado pelo acaso, o que é inadmissível. Mas qual será esse fim?
Eis o imenso, imutável, e eterno problema do qual a mente humana se encontra longe de desvendar.
Mais tarde dirá:
— Os caminhos da fé são verdadeiramente difíceis de compreender; se não existe qualquer recompensa depois da morte, o mundo é uma piada cruel.
E antes de sair Holmes entregou a Watson um livro:
— Permita-me que lhe recomende este livro… um dos mais notáveis já escritos. É “O Martírio dos Homens” de Winwood Reade, publicado em 1872, três anos antes da morte do autor, com 36 anos de idade, atinge a história intelectual do homem desde a antiguidade ao presente.
 

 
Holmes não era forte em Botânica, não se interessava pela jardinagem, porém, conhecia os venenos vegetais em geral. Igualmente não tendo estudado geologia, na prática a partir de simples salpicos de lama ou um pouco de barro podia dizer com toda a facilidade a zona de Londres de onde proviera, como já foi referido. A Química fora um dos estudos preferidos nos Hospitais de São Bartolomeu, onde Stanford levou Watson para conhecer Holmes, que se encontrava debruçado sobre uma mesa repleta de recipientes, retortas, tubos de ensaio, bicos de Busen com chamas trémulas e azuis, do mesmo ficou a mesa da sala em Baker Street, onde passou a habitar; sintoma da sua aplicação à Química eram as suas mãos, permanentemente manchadas de químicos.
Tinha bastantes conhecimentos de Anatomia. Para Stanford era um homem tranquilo e estudioso, sem que se conhecesse o objectivo do seu estudo. Levava muito tempo a esfacelar cadáveres na sala de dissecação:
— Sim, para verificar até onde as escoriações podem ser produzidas depois da morte. Vi com os meus próprios olhos quando ele fazia as suas experiências (in “Um Estudo em Vermelho”). O seu forte seria, provavelmente, a literatura sensacionalista, pois conhecia até ao pormenor toda a espécie de crimes antigos, porquanto quando chegou a Londres, instalou-se na Montague Street, mesmo ao dobrar da esquina do Museu Britânico e aí, na sala de leitura do museu, familiarizou-se com toda a espécie de crimes sensacionais, do “The Newgate Calender”, passando pelas obras de Jonathan Wild (1683-1725) e Griffiths Wainewright (1794 –1847). Ao mostrar um exemplo, comparativamente, levou Stanford a comentar:
— Você parece uma enciclopédia ambulante do crime. Está a fundar um jornal dedicado ao assunto? Chame-lhe “Notícias Policiais do Passado”
 
Para além destes conhecimentos, Holmes continuou com o decorrer do tempo a acumular fichas e extractos de jornais. O próprio Watson observou que “o seu zelo por outros estudos era notável” e dentro dos limites existentes o seu conhecimento era tão extraordinariamente amplo e minucioso que as suas observações me espantavam. Evidentemente nenhum homem trabalhava tanto para adquirir informações tão precisas, se não tivesse em vista um objectivo bem definido.
Com estas palavras Watson absolveu-se das palavras apressadas, naturalmente imprudentes da sua classificação inicial dos conhecimentos de Holmes, tanto mais que não o conhecia “ainda muito bem”.
Continuando, nota-se na cultura de Holmes, o seu apreço e conhecimentos de História Universal, à qual o ligava verdadeira paixão, estudando “as raízes celtas do idioma da Cornualha” sobre o qual escreveu e publicou uma monografia “Um Estudo das Raízes da Caldeia na Antiga Língua Córnica”. Numa outra monografia “Escritas Secretas”, Sherlock Holmes analisa desenvolvidamente os seus óptimos conhecimentos de criptografia (também em grafologia, mas em menos escala).
A demonstração prática inicia-se na sua primeira aventura, “ Tragédia do Gloria Scottli, diante da carta recebida pelo velho pai do seu colega, Victor Trevor com uma nota que diz:
“A provisão de caça para Londres está por terminada. O caçador Hudson, segundo nos contou, já tem tudo preparado, não fuja o faisão para a faisoa salvar, nas moitas, a ninhada com vida”
Fiquei tão confuso como você, quando li pela primeira vez. Depois, reli-a com muito cuidado. Dar-se-ia o caso de haver um significado preestabelecido para tais frases como “fuja o faisão” e “faisoa” ? Tal significado seria arbitrário, e de modo nenhum poderia ser deduzido. Todavia, custava-me acreditar que fosse esse o caso… Experimentei invertê-la, mas a combinação não era encorajante. Tentei então alternar as palavras, mas isso não esclarecia o enigma. De súbito,  descobri a chave do enigma, pois verifiquei que a última palavra de cada grupo de três dava mesmo uma mensagem que podia levar Trevor ao desespero.
 
Numa criptografia mais complicada, que acabou por resolver em “Os Bonecos Bailarinos” diz a Watson:
— Conheço todos os métodos de criptografia, até hoje utilizados, e até sou autor de uma monografia acerca desse tema, em que analiso cento e sessenta códigos diferentes… Mas confesso que este me deixou bastante perplexo.
Os seus conhecimentos eram teóricos e simultaneamente técnicos.
— Existem muitos códigos que eu teria a mesma facilidade de ler que a secção do “Correio Sentimental” nos jornais… Tais recursos toscos entretêm a inteligência sem fatigar .
 
Como convinha à sua actividade profissional, Holmes tinha conhecimentos de direito britânico, frequentando para o efeito aulas de direito comum e criminal. Sabia servir-se das impressões digitais, ainda então em fase incipiente, e das pegadas, publicando até artigos com o título de “Sobre Tatuagens” que incluía um dos primeiros estudos académicos dos primeiros pigmentos usados pelos artistas japoneses e chineses e “Como Registar Pegadas” que incluía observações acerca do uso de gesso como forma de preservar essas mesmas pegadas.
Aproveita-se para citar uma outra monografia, que se tornou famosa, “Acerca da Diferença entre a cinza de vários Tabacos”, onde constam cento e quarenta tipos de charuto e cigarros e tabaco de cachimbo, com ilustrações a cores atestando a diferença das cinzas.
Fruto dos seus estudos e experiencias do seu domínio são ainda duas pequenas monografias “Sobre os Vários Tipos de Orelhas”, “Um Estudo Sobre a Influência da Profissão na Forma das Mãos”.
Quando Watson afirmou que Holmes tinha poucos conhecimentos de política, já o dissemos, parece-nos uma afirmação prematura, gratuita, diríamos. O facto de não se interessar, não quer dizer falta de conhecimentos, aliás, em certas profissões é correcto mostrar-se permanentemente apolítico ou ignorante mesmo. No entanto sabemos que Holmes era um patriota combativo, gostava da rainha Victória e não simpatizava co Eduardo VII, a ponto de, afirmação de Watson, ter recusado uma distinção honorífica.
Tinha qualidades de actor. Segundo W. S. Baring-Gould, Holmes com o pseudónimo de William Escott chegou a merecer o aplauso da crítica e a inveja dos colegas:
“Não poderíamos dizer que Holmes fora imensamente poupado entre os seus colegas actores, nem mesmo por Langdade Pike (um amigo que o encaminhara para o teatro), seria fácil atribuir tal facto ao ciúme dos outros, dada a sua ascensão meteórica”. Seja como for, actor ou não, sabia como ninguém disfarçar-se de marinheiro, padre, capitão de navio, moço de estrebaria, vagabundo, velho, canalizador, vendedor de livros, etc., envergando trajes adequados; mudando de personalidade era capaz de se mostrar indisposto subitamente e enganar o próprio Watson, médico de profissão.
Em “A Casa Vazia” ou como reapareceu a Watson depois de um longo hiato:
Um homem alto e magro, de óculos escuros, que desconfiei que fosse um polícia à paisana, expunha uma teoria de sua autoria aos que se agrupavam para ouvi-lo. Cheguei o mais perto possível, mas as conjecturas pareceram-me absurdas, de modo que me afastei, aborrecido. Ao fazê-lo, esbarrei num homem velho e deformado, que estava atrás de mim, e derrubei alguns livros que transportava.
… Voltei para Kensington…
Cinco minutos após ter entrado no meu escritório, a criada anunciou-me uma visita. Notei, com surpresa, que era o estranho coleccionador de livros, de rosto enrugado sob os cabelos brancos, carregando os preciosos volumes, no mínimo doze, sob o braço direito.
— Está admirado de me ver aqui, senhor? — perguntou ele com um grasna restranho.
Confirmei o meu espanto e ele esclareceu.
— Sou um homem consciente, e, ao vê-lo entrar nesta casa, quando vinha atrás do senhor, achei que devia justificar-me, disse a mim: se me mostrei um tanto brusco, foi involuntariamente e que estou-lhe grato por ter apanhado os meus livros.
— Está a dar muita importância ao incidente — contemporizei. — Posso perguntar como soube quem eu era?
— Pois bem, senhor, se acha que estou a tomar excessiva liberdade, dir-lhe-ei que sou seu vizinho; a minha livrariazinha fica na esquina da Church Street onde terei muito prazer em vê-lo. Talvez o senhor seja também colecionador, e tenho aqui “British Birds”, “Cattalus e “The Holy War”, todos por uma pechincha! Com cinco volumes o senhor poderia preencher aquele espaço, na segunda prateleira. Tem um ar de vazio, não acha?
Virei a cabeça e olhei para a estante atrás de mim. Quando tornei a virar-me, Sherlock Holmes encarava-me sorrindo, do outro lado da escrivaninha. Ergui-me de um salto, olhei-o durante alguns segundos, completamente atónito, e desmaiei pela primeira e última vez na minha vida.
… os outros disfarces daquele indivíduo estavam em cima da mesa, juntamente com a cabeleira branca e a pilha de livros.
 
Como se vê, afinal, a sua cultura era diversificada. A duradoura paixão pela música, sobretudo o violino era realmente extraordinária. Mostra-se grande conhecedor dos grandes instrumentos e em “Um Estudo em Vermelho” divagou sobre violinos de Cremona e a diferença entre Stradivarius e um Amati. Nos primeiros tempos da sua coabitação com Watson era hábito de Holmes recostar-se no divã, fechar os olhos e tocar sem metido o violino. No entanto, “sabia tocar e tocava bem”. A pedido de Watson tocou Lieder de Mendelssohn e em “A Pedra de Mazarino” toca Barcarola de Hoffmann.
O apelo da música, a fazer fé em Watson era uma válvula de escape para as pressões do trabalho, mas “o meu amigo era um músico entusiasta… sendo ele próprio não só um executante muito dotado, mas também compositor de mérito fora do comum”.
Para terminar.
Já no seu retiro em Sussex, uma pequena moradia isolada na vertente sul de Downs, onde se encontrava com a velha governante, entregue ao contacto com a natureza e criação de abelhas.
Nesse período, o bom Watson era-me completamente inacessível. Só uma vez por outra o via, num fugaz fim-de-semana.
Para além da narrativa que havia escrito em Janeiro de 1903 em resposta ao desafio de Watson, foi o seu próprio biógrafo em “A Juba de Leão”:
Se ele (Watson) estivesse ao pé de mim, que bem saberia relatar um acontecimento tão estranho de realçar o meu triunfo final sobre todas as dificuldades!
Holmes tem ainda a oportunidade de escrever “O Manual Prático de Apicultura com algumas Observações acerca da segregação da Rainha” e, fazendo jus à sua arte, em quatro volumes “Toda a Arte de Detecção”, mais, (calculem!) o livro de artigos de que o seu querido amigo e companheiro de muitos anos tanto desdenhou, “O Livro da Vida”, já anteriormente publicado sob anonimato… ficam ainda por registar os serviços prestados à pátria no período da guerra mundial que se seguiu.
 

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