5 de junho de 2013

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS (4 - 1ª PARTE)
4 — DESTAQUE PARA O DR. WATSON (Conclusão)

Esta “fixação” por James generalizou-se por muitos escritores, apontando-se a Mary, não só um amante James, mas vários. A título de exemplo, Loren D. Estleman, escritor americano, nascido em Michigan a 15 de Setembro de 1952, publica um pastiche “Dr. and Mrs. Watson at Home”, uma peça teatral de um só acto, que põe em cena John e Mary Morstan Watson.
Transcrevemos parte de um texto elucidativo:
A cena representa a sala de estar do casal. Mary, aborrecida, faz um bordado. Watson entra e beija Mary na testa:
Watson — Olá, bonequita!
Mary (sem entusiamo) — Olá James.
Watson — John. Chamo-me John…
Mary — Ah, sim, esquece-me sempre.
Watson — Por que continuas a chamar-me James, depois de tantos anos de casamento?
Mary — Como não confundir-me. Toda a gente com quem te relacionas se chama James. James Phillimore, James Mortimer, James Lancaster. Os três irmãos Moriarty…
Watson contrariado sai de cena. Mary toma atitude de quem escuta, suspira e pega no telefone.
Mary — O Professor Moriarty, por favor (espera). Está, Jimmy? Mary. Saiu, não volta até tarde. Estás livre esta noite? Esplendido! Como? Uma monografia? Sim, de qualquer modo gostava de a ver. Sim, encanta-me discutir “A dinâmica do teu Asteróide”. Contarei os minutos. Adeus, amor!
(Desliga sorridente)
 
A partir da visita de Holmes, Junho de 1889, no decorrer de “O Homem do Lábio Torcido”, Watson, por saudade ou gosto de aventura, ou porque a sua conta bancária se encontra muito depenada, embora o consultório sob a sua exploração tenha ganho clientes (esta é a opinião de Baring-Gould) acede acompanhar o detective, não alterando o seu padrão de vida de casado e dando assistência à clínica — sempre que era solicitado, chegando a ficar em Baker Street 221B durante os quinze dias de férias da Sr.ª Mary Watson.
 
 

Ilustração de Sidney Paget

 
Em 4 de Maio de 1891, dia em que Sherlock Holmes desapareceu nas águas profundas das cataratas de Reichenbach, próximo do lugarejo de Rosenlaui, na Suiça, Watson lamenta em “O Problema Final”, a tragédia do amigo e companheiro, “É com o coração angustiado que pego na pena para escrever estas últimas e escassas palavras com que registarei os dotes excepcionais que sempre distinguiram o meu amigo Sherlock Holmes”. Lembra que se esforçou por narrar as estranhas experiências adquiridas na companhia daquele, desde “Um Estudo em Vermelho” e recorda ao leitor que depois do seu casamento as relações assíduas que mantiveram, rarearam consideravelmente, pois Holmes apenas de tempos a tempos, quando desejavas companhia nas investigações, o procurava, sendo que no transacto ano de 1890 apenas considerava o registo de três ocasiões. Assim, foi com surpresa que o viu encontrar no consultório, em 24 de Abril, algo perturbado, apresentando-se mais pálido e magro do que o habitual. “Nunca o vi com medo mas, naquela altura, parecia-me assustado. Perguntou-me se já ouvira falar do professor Moriarty e, ao confessar-lhe que não, explicou-me que era um genial criminoso, o Napoleão do Crime, um cérebro de maior grandeza que agia livremente nas ruas de Londres sem ser caçado”. Holmes conseguira provas que ia entregar à polícia e estava a ser perseguido implacavelmente. Naquele mesmo dia já escapara a três atentados: uma caroça de transporte de madeira com os cavalos a galope viera sobre si, salvando-se por uma fracção de segundos, ao atravessar Vere Street um tijolo fora projectado de um telhado esfarelando-se a seus pés, por último fora agredido à cacetada, conseguindo dominar o malfeitor e entregá-lo à polícia. Holmes convidava Watson a ir com ele para o continente alguns dias, até que a polícia londrina capturasse todo o bando chefiado por Moriarty, que já tivera a ousadia de ameaçar Holmes na sua própria casa. Combinaram embarcar, separadamente, dirigindo-se a Paris e daí para Suíça, onde se hospedaram numa pequena povoação próxima das cataratas de Reichenbach que visitaram. Foi durante essa visita que Watson foi chamado de urgência para tratamento de uma senhora inglesa no Hotel.
Quando descobri que o pedido era falso voltou a correu para junto do amigo, em vão gritou por ele, apenas encontrou uma carta de despedida do famoso detective a despedir-se pois ia enfrentar Moriarty e ambos haviam desaparecido. Destroçado, tentando esquecer a morte — confirmada pelos jornais, se bem que não houvessem encontrado o corpo — “do homem melhor e mais inteligente que conheci”. O Dr. John H. Watson regressou a Inglaterra e à rotina do seu consultório. Algo mais lhe estava reservado: no fim desse\ano ou princípios do seguinte, a morte da esposa. Segundo Baring-Gould sempre muito esclarecido, a morte de Mary Watson, resultante de problemas de coração, contudo, para Rodolfo Martinez (1965) no capítulo VIII de um colossal pastiche, fixa textualmente a morte em 1 de Março de 1893, de uma epidemia de gripe. Nesse mesmo pastiche Watson comenta: “Nada pode apagar a dor motivada pela perda da minha mulher, a quem amei com toda a minha alma. Formosa e inteligente, culta, infinitamente paciente com as minhas excentricidades e as de Sherlock Holmes, Algo que conseguisse dizer acerca dela seria apropriado para poderem ter uma ideia acerva do que Mary significava para um solteirão de hábitos desordenados que eu era”. No canon, em circunstâncias imprevistas e breves palavras confirma-se a morte de Mary. Acontece que, depois do Hiato (4 de maio de 1891 a 5 de Abril de 1894), nesta última data, Sherlock Holmes, como por milagre e grande surpresa de Watson e do mundo, durante a narrativa de “A Casa Vazia”, que serve de parco ao encontro dos dois antigos amigos e onde Watson “desmaia pela primeira vez na vida”. Este fica a saber eu Holmes não perecera nas cataratas e sabia do falecimento de Mary, escreve: “Ele soubera do meu desgosto e manifestou a sua solidariedade mais pela atitude do que por palavras”. “ — O trabalho é um antidoto para a tristeza, caro Watson!” E nessa mesma noite o companheiro e biógrafo teve ocasião de presenciar o trabalho do detective, a prisão do coronel Moran, lugar tenente do Professor Moriarty e assassino do jovem Lord Ronald Adair, em 20 de Maio de 1894. Naturalmente que o encontro deu lugar a explicações de ordem vária, das quais resultou que Watson voltou às condições anteriores, viver em Baker Street, acompanhar Holmes nas suas aventuras e escrevendo as narrações que podia.
Voltando aos casamentos de John Watson. Baring-Gould faz referência ao seu terceiro casamento (para nós o segundo e último com assento nas letras do canon, sem grandes motivos para dúvidas) mas este autor sempre tão certo sobre os personagens Holmesianos data o casamento em 4 de Outubro de 1902, mas não identifica com quem. Palpites não faltam! Sabemos que, sem ter conhecimento do motivo nessa altura, em 3 de Setembro de 1902, por ocasião de “O Cliente Ilustre” e pelas palavras do próprio Watson, que “naquela época os meus aposentos ficavam na Queen Anne Street e, a menos que a saída de Baker Street 221B não fosse motivada por uma mulher (dúvida esclarecida por Holmes em Janeiro de 1903 em “ O Rosto Lívido”, onde afirma que “o meu amigo Watson tinha-me abandonado por uma mulher, a sua única acção egoísta de que me recordo”) poderíamos optar por Violet de Melville, “jovem rica, formosa, uma criatura prendada em todos os sentidos”, que Holmes libertara das garras cruéis do Barão Gruner, mas embora bonita tinha um caracter inflexível e egoísta que, com toda a certeza, nunca atrairia o coração mole de Watson. T. S. Blakeney em “Sherlock Holmes, Fact or Fiction” segue a mesma linha.
 
 
June Thomson (1930), em extenso e bem delineado anexo a “The Secret Journals of Sherlock Holmes”, opta com fortes argumentos por Miss Grace Dunbar, a acusada inocente da morte de Mrs. Gibson, em “A Ponte de Thor”, porém o consagrado Christopher Merley (1890-1957), escolheu Lady Fraces Carfax, cujo desaparecimento Holmes/Watson haviam investigado e resolvido em Junho de 1902. E voltando ao pastiche já referenciado de Rodolfo Martinez para revelar e escolha, que é também a nossa, de Watson:


“Quanto à minha segunda mulher, a história de como a voltei a encontrar e acabámos por contrair matrimónio, mereceria talvez todo um romance. Digo voltei a encontrar, pois tinha-a conhecido na Primavera de 1889, quando ela chegou aos aposentos de Holmes, na Baker Street, para o envolver num caso que mais tarde vim a relatar sob o título “As Faias Cor de Cobre”. Mal imaginava eu que aquela adorável e inquisitiva mulherzinha precoce de cabelos castanhos, se converteria, quase treze anos mais tarde, em minha mulher. Estou a falar, é claro, da menina Violet Hunter…”
Violet Hunter, Holmes e Watson - de Sidney Paget
 
É certo que John H Watson, com Sherlock Holmes, são fontes inesgotáveis, mas é tempo de terminar. E terminamos com um breve e justo apontamento que adaptamos de Ian Alfred Charmock in “Watson’s Last Case”
“Sem Watson, Holmes ter-se-ia tornado demasiado frio e calculista. Watson teve a capacidade de lhe dar um novo ângulo de vida. Holmes chegaria a concordar com isto, dizendo que precisava de Watson como uma pedra de afiar para a sua mente, quando pensava alto na sua presença. Chegou mesmo a dizer que estava perdido sem o seu Boswell.”
Enfim, diríamos: eram o oposto na semelhança.

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