7 de abril de 2013

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS (2 - 2ª PARTE)

 
PASTICHE/PARÓDIA —  O ESQUELETO DESAPARECIDO
De Andre Francisco Brun (1881- 1926)
Comediógrafo e humorista, de ascendência francesa, naturalizou-se português e combateu com o exército português na I guerra mundial. Deixou obra importante nas letras.
Aqui fica o sagaz Berloque-Homes em O ESQUELETO DESAPARECIDO.
M. Constantino
Imagem em: http://drawception.com/
 
Um dia o sagaz polícia Berloque-Homes estava em casa passando a ferro umas deduções novas, que tinham vindo da lavadeira, quando sentiu tocar a campainha do corredor. Depois de reflectir dez minutos e tendo chegado à conclusão que, sendo a campainha desprovida de braços, não podia puxar-se a si própria, foi abrir a porta e deu de cara com um homem que o grande detective deduziu logo pertencer ao sexo masculino.
Esse homem, tendo entrado no gabinete de Berloque-Homes, este convidou-o a sentar-se. O homem explicou-se:
— Meu caro senhor… O meu caso é simples; roubaram-me esta noite o meu esqueleto.
Berloque-Homes nem pestanejou e acendeu dois cachimbos, um a cada canto da boca. A visita continuou:
— Todas as noites, quando volto para casa, costumo verificar se não perdi nada. Revisto as algibeiras, conto o dinheiro e, por fim, pondo-me em frente de um aparelho de raios X, reparo se porventura perdi algum órgão essencial do ministério do meu interior.
Berloque-Homes acenou com a cabeça, inteligente.
— Ontem, ao voltar para casa, fiz funcionar o aparelho e qual não foi o meu espanto ao verificar que o meu esqueleto todo tinha desaparecido. Venho encarregá-lo de me procurar o ladrão e de me restituir o meu esqueleto, pois não tenho senão aquele e faz-me uma falta dos diabos.
Berloque-Homes acendeu um terceiro cachimbo ao meio da boca e disse:
— Vá descansado. Amanhã terá o seu esqueleto.
O homem saiu e Berloque-Homes tocou uma outra campainha. Pelo buraco da fechadura da porta falsa de uma caixa de rapé Luís XV, que estava sobre uma étagère, entrou imediatamente o seu discípulo predilecto, que se chama Saraiva em inglês.
— Meu caro, amigo! — disse-lhe Berloque. — Um homem acaba de sair, quem roubaram o esqueleto. Vou, na forma do costume, pendurar-me de cabeça para baixo no candeeiro da casa de jantar, a fim de fazer algumas deduções.
— Mas, mestre — perguntou o fiel Saraiva assaz sagaz para que toma essa posição?
— Porque assim todo o sangue me desce ao cérebro e lhe fornece uma actividade excepcional para resolver certos problemas.
— Ah! exclamou em inglês o Saraiva, sempre discípulo fiel.
Passadas dezoito horas de penduração e de ponderação, Berloque-Homes disse serenamente:
— Não acredito num roubo.
— Porquê, mestre?
— Em face da lógica quem pode ter interesse em roubar um esqueleto, quando este não seja uma curiosidade anatómica? O dono dos ossos é uma criatura normal. Logo concluo que não houve roubo.
— Ah — exclamou o Saraiva maravilhado.
— Vá já no meu automóvel de 1500 H. P. perguntar o senhor se tem o costume de dormir com a boca aberta.
Passados uns três minutos, o discípulo predilecto estava de volta. Fora aos arredores de Edimburgo, a Odiwells, falar ao senhor roubado que lá morava e, ao entrar, exclamou:
— Oh! Tínheis razão, mestre. O homem costuma dormir com a boca aberta.
— Veja qual foi a temperatura média na noite do roubo, — ordenou Berloque.
— Doze graus acima de zero e à sombra — verificou o discípulo no almanaque do Borda d'Água londrino.
Berloque-Homes sorriu e ficou silencioso.
Passado um momento, o grande polícia perguntou ao seu discípulo.
— Que lhe parece?
— Nada, — disse o assaz sagaz Saraiva, que era estúpido como uma porta.
— Pois vou dizer-lhe o destino que teve o esqueleto do homem. Reparou como ele era magro? Tem, a bem dizer, só a pele e o osso. Muito bem. Para mais nasceu num clima quente…
— Como o sabe?
— Pois não viu que o homem é preto?
— Não notei, não.
— Pois é uma coisa que uma pessoa, desde que seja um pouco observadora, descobre logo. Muito bem. O esqueleto desse homem, vindo de um clima quente e não tendo senão a pele para se cobrir, começou a sofrer de ataques de frio, sobretudo na noite em que desapareceu.
— Estou percebendo — exclamou o discípulo para ser agradável ao mestre.
— Muito bem. Vendo que o seu dono não engordava e a temperatura não subia, o esqueleto deliberou abandonar o corpo onde estava padecendo. E, tendo verificado que o homem dormia de boca aberta, foi por aí que, durante o sono do proprietário, ele se evadiu.
— Oh! — exclamou mais uma vez o sagaz Saraiva.
— Resta apenas procurá-lo agora num sítio agasalhado.
Nisto bateram à porta. O Saraiva, tendo-se imediatamente disfarçado em criança de sete anos, foi abrir. Era o dono do esqueleto.
— Meu caro senhor — explicou-lhe Berloque-Homes, — já calculo onde está o seu esqueleto.
— Também eu, replicou o homem.
— Como assim?
— É verdade. Depois de sair daqui, lembrei-me que ontem quando voltei para casa, vinha absolutamente embriagado. Nessas condições, peguei no primeiro objecto que apanhei à mão, cuidando ser o aparelho dos raios X. Ora, tendo deitado a unha a uma caixa de bolachas, o meu erro levou-me à conclusão que me tinham furtado o esqueleto. Hoje, porém, fazendo funcionar o verdadeiro aparelho, vi que tinha cá todos os meus ossos. Meu caro senhor, desculpe a maçada e toque nestes.
O homem saiu, Berloque-Homes sorriu, sorriu e ficou silencioso.

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