15 de janeiro de 2013

CONTO — ROBERT LEWIS

A BIBLIOTECÁRIA

A biblioteca ficava afastada da rua, por trás de um relvado e de um conjunto de arbustos. Era uma casa branca e baixa, idêntica a tantos outros edifícios públicos das cidades pequenas de Nova Inglaterra. Por cima da porta, via-se um letreiro Biblioteca de Quigley e mais abaixo, um outro, mais pequeno, dizia com orgulho : Ar Condicionado.
Quando entrei, fiquei numa espécie de corredor formado por duas estantes baixas, que separavam a sala em duas secções. Os dísticos Ficção e Outros Assuntos explicavam a finalidade da divisão. No centro do corredor, de frente para a porta, havia uma mesa, onde estava sentada a bibliotecária. Era uma mulher de meia-idade, uma solteirona de cabelos ralos que usava pince-nez.
— Boa-tarde — disse eu. — Posso dar uma olhadela?
— Boa-tarde — respondeu a bibliotecária. —Com certeza. Pode ver o que quiser. É para isso estamos aqui.
A mulher olhou-me com um ar de conspiração intelectual. Parecia dizer-me: “Estou a gostar de si. O senhor percebe de livros".
O departamento Outros Assuntos estava completamente vazio. Entrei. No centro havia uma grande caixa de metal, com uma grade na parte superior, que enviava o ar refrigerado para toda a sala. Fiquei ali de pé, deixando que o ar fresco me batesse no rosto. Depois, sentindo que a bibliotecária me estava a observar, andei um pouco por entre as estantes, tirei um livro ao acaso e tornei a colocá-lo na estante, depois de o folhear durante alguns minutos.
A bibliotecária depressa veio para ao pé de mim, ansiosa por me ajudar.
— Deseja alguma coisa em particular? — perguntou-me.
— Tem alguma obra que trate dos mariscos?
A mulherzinha ficou desapontada:
— Acho que, não. Mas, vou ver.
Consultou o catálogo e veio anunciar, tristemente :
— Não.
— Não tem importância — disse eu para a consolar. — Vim aqui, na verdade, por causa do ar condicionado.
— Foi uma boa ideia. Nestes dias de muito calor, acho que não há lugar melhor…
O orgulho que se lia na expressão do rosto da bibliotecária indicava, claramente, de quem fora ideia. Contudo, limitou-se a dizer:
— Gosto das coisas bem feitas.
E deixou-me à vontade, na biblioteca de Quigley, uma atmosfera sonolenta que nos fazia esperar encontrar gente velha a dormitar pelos cantos. Contudo, a não ser a bibliotecária e eu, só havia na sala duas crianças : na secção de Ficção, um rapazito que estava sentado, lendo atentamente, e uma menina de uns doze anos que andava entre as estantes. Finalmente, encontrou um livro que agradou e levou-o à bibliotecária, com um cartão.
Depois da menina sair, aproximei-me da mesa e perguntei à bibliotecária o que era preciso fazer para levar um livro para casa.
— O senhor tem cartão de inscrição? — perguntou ela, sabendo muito bem que não, uma vez que Quigley é uma cidade minúscula.
— Não. Sou novo aqui na cidade. É preciso fazer a inscrição?
— Bem, temos os nossos regulamentos, o senhor compreende… Mas posso fazer um cartão provisório, se quiser.
— Muito bem. Se não for muito trabalho para a senhora.
— Oh! Absolutamente. Fico satisfeita quando tenho companhia, aqui na biblioteca. Olhei para o rapazito que lia, lá em baixo.
— Oh… o Tom? — murmurou ela. — Tommy de pouco me valeria, não é?
— De pouco lhe valeria? Não compreendo…
— Ah! Bem se vê que o senhor é de foral Pensei que o caso era conhecido de todos. Olhou-me de soslaio e continuou:
— Sou Miss Cassidy.
Vendo que a expressão de meu rosto não se modificava, conservando apenas o mesmo ar de interesse educado, Miss Cassidy falou:
— Pelo que vejo, o senhor não lê jornais Nunca ouviu falar de Malone, o Pernalta, o gangster de Nova Iorque? Pois bem, fui eu quem o mandou para a prisão.
— Espere aí! Lembro-me, sim, de haver lido alguma coisa sobre isso! Ele não atropelou uma criança, ou coisa parecida?
Miss Cassidy estava radiante.
— Foi aqui em Quigley que aconteceu. Bem em frente da biblioteca na altura em que eu saía do trabalho.
Simmons estava a jogar à bola na rua quando uma grande limusina preta, com placa de Nova Iorque, passou como um raio e atropelou a criança. O motorista diminuiu a marcha e olhou, depois fugiu a mais rapidamente possível. Foi o bastante para eu ter tempo de fixar a matrícula do carro, antes de este desaparecer.
— Que aconteceu depois? — perguntei,
— O homem foi condenado por assassínio. Quando o caso foi julgado, eu fui chamada para identificar o motorista e foi assim que o Pernalta foi preso.
Abanei a cabeça, admirado.
— A senhora é corajosa. Eles não lhe fizeram nenhuma ameaça?
— Claro que sim — respondeu ela, muito corada e satisfeita. — Mas é que essa gente não me conhece! Já compreende porque não gosto de ficar sozinha na biblioteca. Nunca se sabe o que esses bandidos seriam capazes de fazer!
— Mas a senhora não pediu proteção à polícia?
— Pedi, é claro! Isto é, logo depois do que me aconteceu O filho dos Sneckells costumava escoltar-me todos os dias, quando vinha para a biblioteca e quando regressava a casa. Mas isso já foi há um ano! Acabei poe pedir à Polícia que parasse com aquilo. Esse tal Malone deve ser um homem muito perverso. No dia do julgamento, lançou-me um olhar, que fiquei aterrorizada.
— Ora, ele está na prisão e a senhora está a salvo. Não precisa de se preocupar.
O garoto aproximou-se da mesa com o livro na mão.
— Então Tommy, andas a ler histórias de índios? — perguntei.
— Como é que sabe?
Expliquei ao rapaz que eu era mágico. O menino olhou-me, desconfiado e disse “Ah!”, num tom de quem não acreditava. Recebeu o álbum de selos que deixara com Miss Cassidy e saiu.
— Bem, então vamos fazer sua inscrição provisória — disse a bibliotecária, pousando a caneta numa ficha. Dei-lhe meu nome, acrescentando :
— Não é agradável, isto aqui sem ninguém…
— Muito agradável. Qual é a sua morada?
— Nova Iorque.
Ela ergueu rapidamente os olhos, fitando-me e rosto.
— É isso mesmo, Miss Cassidy, as suas suspeitas têm fundamento — disse pesaroso. — Um certo homem perverso pediu-me que lhe viesse fazer uma visita… Teria sido muito melhor para a senhora, que se tivesse deixado guiar pela razão durante o julgamento.
Miss Cassidy abriu a boca e emitiu um som que me fez lembrar um passarinho. Com a mão esquerda eu agarrara no cartão que ela preenchia e com a mão direita tirava a pistola do coldre. Miss Cassidy não se moveu, mas seus olhos estavam arregalados e piou outra vez.
Nesse momento, senti um objeto duro encostado nas minhas costas e alguém disse : — Renda-se!
Eu deveria ter compreendido o que se passara, naturalmente. Mas, neste fugidio instante em que um homem compreende que o seu plano, cuidadosamente preparado, acaba de ser reduzido a nada, deixei-me dominar pelo pânico e não notei que a ordem fora dada por uma vozinha infantil. Já tinha largado a pistola quando notei isso, virando-me vi Tommy que empunhava um revólver de brinquedo. Tinha os olhos brilhantes e seus lábios tremiam, maravilhado com a própria coragem! Quando tornei a procurar a pistola, já esta se achava em poder de Miss Cassidy.
Não havia mais nada a fazer. Voltei-me e sai a correr, empurrando Tommy para o lado. Lá fora, ainda correndo, fui para o meu carro, que deixara estacionado na esquina. Tudo aconteceu sem problemas. Apenas, ao sair, quase ia caindo por cima de uma bicicleta parada junto a uma árvore, bem em frente da biblioteca. Decerto seria a de Tommy, porque preso à frente via-se uma placa brilhante onde se lia : DETECTIVE JUVENIL.

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