9 de janeiro de 2013

CONTO DE RANJEE SHAHANI


DINHEIRO FÁCIL

Era um dia extremamente frio de Janeiro, com o vento a soprar furiosamente e a levantar nuvens de poeira seca em turbilhões hostis.
Bamji, o Marwari, sentia os dias maus, sentado a um canto de sua choupana, contemplando a braseira com olhos ausentes. A pouca distância, a sua mulher, encolhida, tremia de frio. Vestira todos os trapos que possuía, mas não conseguia aquecer-se. Tinha o rosto petrificado e os dentes batiam. Há dois dias que não se alimentava.
Bamji sentia no seu coração apenas uma coisa: intensa inveja de seu próspero vizinho, a quem nada faltava. Sentia-se mais mortificado ainda ao pensar que fora ele, Bamji, que iniciara o vizinho nos negócios. Esse pensamento consumia-o. Estava seguro de que o rival não tinha mais aptidões do que ele próprio, no entanto, o vizinho prosperava, enquanto os seus negócios iam de mal a pior.
Porquê que isso acontecia? Trabalhava arduamente, conscienciosamente, sem descansar um só dia. Mas nada dava certo. Agora não tinha vintém. Porquê que isso acontecia? A vida de um homem honesto estaria destinada a ser uma cadeia de contrariedades, pontilhados de sofrimentos? Bamji praguejava em voz baixa.
— Em vez de estares a praguejar, levanta-se e faz alguma coisa — interrompeu a voz da mulher. — Estou a morrer de fome enquanto tu ficas sentado, parado.
O homem olhou-a com profundo ressentimento:
— Sabes bem que tenho tentado tudo, mas não adianta. Cheguei mesmo a vender o relógio que o Mahatma Gandhi me deu de presente durante o Movimento de Não-Cooperação. Mas estou a cair cada vez mais para baixo.
— Que excelente marido tu és! — retorquiu a mulher. — Fazias melhor se te atirasses ao rio.
A linguagem era chocante para uma mulher de um hindu. Bamji sentiu-se ainda mais deprimido. Tranquilamente levantou-se e saiu da casa. A noite caíra e o frio estava penetrante, mas ele andou sem rumo pelas ruas da aldeia, sem reparar por onde caminhava.
Em breve chegou à beira do pântano congelado que rodeava a aldeia. De uma árvore veio o pio estranho de uma coruja. Olhou na direcção de onde se fizera notar o barulho e viu um fogo no limite da terra firme. Dirigiu-se para essa direção, pois, mesmo que se tratasse de assaltantes, sentia grande necessidade de se aquecer. Se fosse assassinado, tanto melhor. Então, talvez sua bondosa mulher ficasse satisfeita.
Ao chegar, encontrou vários estranhos que se aqueciam na fogueira e cantavam refrões desconhecidos. Em nada disso encontrou coisa alguma de bizarra: perdera a capacidade de se surpreender. Mas tinha de se aquecer. Instintivamente, estendeu a mão na direção da fogueira.
— Amigo, pode arranjar-me um lugar? — disse calmamente, procurando instalar-se.
Sentia que os forasteiros entenderiam o Indi, língua nacional da índia, embora ele próprio não a falasse com entusiasmo, pois sua língua materna era o Gujarati. De qualquer forma, julgava-se um patriota e assim procurava agir. E, assim, sentou-se, esfregando as mãos.
Mas, subitamente, começou a perceber a companhia em que se encontrava: murmuravam entre si e pareciam estar a discutir. Levantou os olhos para os examinar e notou que estavam transformados. De cada cabeça saíam chifres como de touros, em cujos extremos se fixavam olhos vidrados. Em lugar de pés, tinham cascos voltados para trás. O choque foi tão grande que o deixou paralisado.
— Ó Marwari — disse o vizinho que ele empurrara para obter lugar.
— Como sabe que meu nome é Dost?
— Porque eu me lembrava muito bem de si — replicou, desesperado, o Marwari.— Não me reconheceu?
— Nunca o vi na minha vida.
Então o Marwari notou pela primeira vez que eram todos muito jovens, simples rapazes e raparigas. Uma ideia emergiu subitamente no cérebro e, voltando-se para o vizinho novamente, disse-lhe em tom de censura:
— Quando é que me vais pagar aquelas cem rupias?
A pergunta chocou Dost pelo absurdo, fazendo-o olhar inexpressivamente para o interlocutor e responder:
— Tolice. Não lhe devo essas rupias. Sou demasiado jovem para incorrer em tal débito.
— Então deve ter sido ao teu pai que eu emprestei o dinheiro — insistiu o Marwari agressivamente. — Onde está o patife? Se eu o encontrar, fá-lo-ei pagar por isso.
— Mas ele está morto — disse Dost, triunfante.
— Tanto melhor. Agora o débito é teu, sem dúvida. Se não me pagares, amarro-te à cauda de um búfalo selvagem.
— Que fazemos? — perguntou Dost nervosamente a seus camaradas. — Sei que vocês podem ajudar-me. Todos os do círculo começaram a aconselhar-se uns com os outros e, em consequência da atitude ameaçadora do Marwari, perderam o pouco bom senso que tinham. O Marwari percebeu o pânico deles e tornou-se mais exigente.
— O dinheiro! O dinheiro, imediatamente! — Gritou, batendo o pé.
Os espíritos sabiam que a tia de Dost tinha um saco de ouro escondido perto de uma árvore, em Bengala.
— É melhor ele ir buscar o ouro e pagar a dívida — sugeriu o que parecia o mais velho entre eles. Mas Dost tinha muito respeito pela tia solteira e declarou que não se atrevia.
— Mas — atalhou uma menina, jovem esperta de chifres e cascos tenros — o dinheiro será teu quando ela morrer. Porque não começar a usá-lo agora?
Esse argumento pareceu convencer Dost, que resolveu cavar o metal precioso e pagar a dívida. Todos o aplaudiram e resolveram ir juntos até à árvore, deixando um refém com o Marwari. Voltaram com o saco que passaram ao incómodo visitante sem se dar sequer ao trabalho de contar as moedas.
O Marwari estava altamente satisfeito com o sucesso de seu truque e pensando em levar o dinheiro para casa. Mas pensava também nos assaltantes que infestavam os pântanos. Não tinha o menor desejo de ser morto. Agora obtivera dinheiro fácil. Que maravilha! Fora um tolo durante toda a vida e agora tinha aberto o caminho da riqueza: bastava apenas um pouco de esperteza. Mas preocupava-se com os assaltantes. Como escapar a essa ameaça?
De repente sorriu. Como não lhe ocorrera antes a ideia? Os espíritos podiam ser aproveitados como escolta.
— Escuta lá, — declarou — não cobrei juros do dinheiro, de modo que tu deves levá-lo até à minha casa.
Dost, completamente acobardado, concordou em fazer o serviço. E assim o grupo inteiro formou-se em procissão; Dost com o saco às costas, logo seguido pelo Marwari. Quando se aproximaram da aldeia, o Marwari ainda pensou em outro ardil para evitar outros riscos. A sua miserável choupana podia despertar suspeitas e ele não queria ser incomodado pela tia, portanto, disse-lhes que morava na casa de seu rival e agarrou o saco do ouro, despedindo-os em seguida.
Sorrindo consigo mesmo, seguiu com o tesouro para a sua choupana. As ruas estavam escuras e não havia ninguém, de modo que ele entrou confiante. Atirando o ouro para o chão, olhou triunfante para a mulher. Ela ainda estava encolhida a tremer de frio, mas seus olhos iluminaram-se ao ver o marido: comida, afinal!
— Vê — gritou o Marwari, exultante. — Temos ouro para muitos anos. Podes comer o que quiseres.
Ela olhou para o chão, mas não viu nada, absolutamente nada.
— Onde está o ouro? — perguntou.
— Bem na tua frente. Estamos ricos para o resto da vida E mais do que isso, consegui vingar-me do patife do nosso vizinho.
— Sorriu, ao pensar na fúria da tia.
Então começou a clarear e tudo na choupana se tornou bem visível. A mulher viu as condições da roupa do marido, rasgadas e enlameadas. Não havia ouro em lugar nenhum.
— Que aconteceu contigo? — perguntou ela.— Ficaste louco?
Mas não conseguia obter nada dele, além do grito incessante e desesperado:
— Ouro! Ouro!

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