20 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 355

Efemérides 20 de Dezembro
James Leasor (1923 - 2007)
Thomas James Leasor nasce em Erith, Kent, Inglaterra. É considerado um dos autores britânicos mais prolíferos da 2ª metade do século XX, autor de mais de 50 livros: biografias, romance histórico e thillers de espionagem. No policiário o seu personagem principal é o Dr. Jason Love, presente em 11 romances e numa colectânea de contos. O escritor usa o pseudónimo Andrew MacAllan. Em Portugal estão publicados:
1 – Passaporte Para O Esquecimento (1966), Colecção Autores Universais, Série mistério. Bertrand Editores. Título Original: Passport To Oblivion (1964), editado também com o título Where The Spies Are. É o 1º livro da série Jason Love.
2 – Passaporte Em Suspense (1969), Nº32 Colecção Espionagem. Editora Dêagá. Título Original: Passport In Suspense (1967), editado também com o título The Yang Meridian. É o 3º livro da série Jason Love.
3 – Passaporte Para Um Peregrino (1971), Nº58 Colecção Espionagem. Editora Dêagá. Título Original: Passport For a Pilgrim (1968). É o 4º livro da série Jason Love.


TEMA — O CRIME NA HISTÓRIA — SERIAL KILLER
Por M. Constantino
Ainda que ao longo da história de homem, se possam apontar sem dificuldade, crime múltiplos, como é o caso de Jack, o Estripador, assassino nunca descoberto, e que tem dado lugar a dezenas de estudos e ficção temática, nomes como Marcel Petiot ou Landru e tantos outros que perecem na voragem do tempo, são casos de “assassínio em série” que cabem perfeitamente no hoje popularizado designativo de serial killer. Não se confunda todavia, esta classificação com mass murder, isto é crime em massa, resultante de 5, 6 ou mais vítimas num único acontecimento — casos recentes em que um único indivíduo dispara indiscriminadamente sobre colegas ou estranhos numa escola, suicidando-se de seguida ou sendo morto pela polícia para travar a matança — pelo contrário o serial killer pode estar, dias, semanas ou até meses sem matar, mas vai aprontando a vítima sem ligações lógicas directas, ou indirectas visíveis, mas que o criminoso assinala no seu íntimo, conhece ou julga conhecer.
Os estudiosos da matéria distinguem três tipos de “assassinos múltiplos”: O mass murder que faz as vítimas num único acontecimento; o spree killer que se diferencia do anterior por fazer vítimas em locais diferentes, num lapso de tempo adequado pelo executor mas proveniente de um facto único. As características comuns resultam de em ambos casos os homicidas não se importarem com a identidade das vítimas, massacrando aqueles que têm a desdita de se encontrarem nos locais. O serial killer escolhe as suas vítimas escolhe as suas vítimas segundo um pedrão próprio, controla os acontecimentos convencido da impunidade — que por vezes consegue dado que os crimes se manifestam sem motivo aparente, por isso mesmo aumentam o número de crimes, de 5 a 200 ou mais.
Em dados estatísticos de origem oficial, constata-se que a idade do serial killer medeia entre os 27 e 44 anos, repartem-se com igualdade sensível entre brancos e negros, sendo as vítimas, na maior parte dos casos do sexo feminino e de cor.
O serial killer, por princípio prefere o contacto com a vítima ou uso da violência, tem um modus operante contante mas, inteligente como é em regra, em diversos casos não é fácil a sua identificação. O assassino não psicótico no seu aspecto, inspira confiança e com frequência as vítimas acompanham voluntariamente o seu algoz que põe na planificação dos seus delitos a capacidade de ter fugas credíveis. Para certo grupo de serial killers o crime é uma espécie de ritual, não tem fins lucrativos; o estatuto sócio-económico, a riqueza ou a pobreza, são-lhe indiferentes — seleciona a vítima com uma fixação latente, como jovens de cabelo comprido, mulheres ruivas, ou loiras, ou morenas…
Uns são violadores que não se coíbem de percorrer centenas de quilómetros para encontrar o ambiente e o tipo de vítima preferido, crianças ou mulheres na grande maioria são objecto de sevícias e de um ritual de violência apropriado.
Em termos gerais acredita-se que na génese do comportamento destes indivíduos emerge de seres abusados desde cedo e quer física quer psicologicamente descobrem com a idade recalcamentos, frustrações que impõem no espírito a marginalização e a hostilidade para com a sociedade em gestos agressivos. O serial killer não tem um verdadeiro móbil: violência, sangue, dor… dir-se-ia que a fonte do prazer brota da anormalidade, por mais estranha e inacreditável. Capturar um serial killer é uma tarefa verdadeiramente hercúlea, exactamente pela motivação subjectiva. Estima-se que 50% dos mais célebres serial killers tenham sido capturados e punidos. Pouco. Muito se se considerar que o serial killer não passa de uma sombra passageira, uma sombra letal, um ser invisível no seio de uma sociedade absorta pela sobrevivência do dia a dia.
Recorrendo às estatísticas, cita-se que o recordista (conhecido) Herman Mudgett condenado por um único crime, mas que se suspeita que tenham assassinado entre 50 a 200 vítimas, Randy Kraft, 67 vítimas. Um assassino desconhecido, deixou atras de si 48 mulheres, na maioria prostitutas. Dean Corll, um sádico homossexual assassinou pelo menos 27 rapazes…. E a lista é infinita, diríamos…


TEMA — CONTO DE TERROR DE MAURICE RENARD — A BORBOLETA DA MORTE
Maurice Renard (1875 – 1939)

Dei com Mestre Jacobus ao voltar da sebe. Estava à frente da colmeia das abelhas, de pé, as mãos metidas nos bolsos. Não podia ser outro senão ele, assegurava-mo a pequena estatura. Quando ao ruído dos meus passos no caminho ele se voltou, a fealdade da sua pessoa confundiu-me. A minha mãe esquecera-se de me dar informações a tal respeito, ou também podia dar-se o caso de o Mestre Jacobus ter tido aspecto mais agradável durante o tempo de vida do meu pai.
As suas costas eram abauladas, a tez sombria, o nariz defeituoso, e a culminar tudo isto o olho esquerdo vazado, um ar de maldade que despertava a um só tempo desconfiança e tristeza. Cumprimentei-o delicadamente, com o boné na mão.
— Sou Fritz Moser — disse — filho do seu amigo Hans Moser, que morreu.
O Mestre Jacobus estendeu a mão e eu continuei:
— Trago para o Mestre uma carta da minha mãe.
O Mestre Jacobus leu a carta sem manifestar qualquer emoção, e logo a seguir, fixando em mim o olho único:
— Pelos vistos também tu gostas de abelhas, meu rapaz! As abelhas interessam-te? Terias prazer em passar alguns dias ao pé de mim?
— Tinha sim, Mestre Jacobus. Gosto muito de abelhas e de outros animais pequenos, sejam eles insectos, borboletas…

— Olha — continuou — chegas mesmo a tempo de ver os estragos que uma borboleta pode fazer numa colmeia.
As colmeias de palha estavam alinhadas à beira de um talude cheio de silvas. Desprovida do seu telhado pontiagudo, uma delas tinha os favos à mostra.
— Foi abandonada — informou o Mestre Jacobus. — O enxame fugiu esta noite e a causa disso foi uma borboleta nocturna, a sphinx atropos ou esfinge-caveira, grande inimiga das abelhas.
Com efeito, aproximando-me da colmeia reparei que só duas ou três abelhas por lá se arrastavam, enquanto à nossa volta o ar vibrava com um encantador zumbido e era atravessado por voos rápidos como flechas.
Olhei para o Mestre Jacobus. Tinha os dentes cerrados.
— Uma colmeia a substituir — declarou. A esfinge-caveira é uma borboleta maldita, entrou lá dentro e agora não há abelha que volte a meter-se ali. Tencionava tirá-la agora, mas fica para depois; deves estar com fome, vem daí.
Subimos em direcção ao edifício delicadamente sentado no flanco da colina, cujas paredes desapareciam por baixo de um xairel de vinha-virgem.
O Mestre Jacobus empurrou-me à sua frente. Vivia naquela casa como um solteirão, no meio de uma desordem pitoresca.
Abrindo um armário, procurou qualquer coisa que me restaurasse as forças. Cheio de curiosidade, tentei descobrir a origem de um murmúrio surdo que não deixava de fazer-se ouvir mal eu pusera o pé naquela sala enorme cujas vidraças folhosas deixavam passar com dificuldade uma luz velada.
Não tardou que descobrisse a fonte que o produzia. Em cima de uma mesa pesada, por entre os mais variados objectos, armadilhas de toupeira e cachimbos de barro, uma falena de grandes dimensões batia tão rapidamente as asas que parecia entalada entre duas névoas vermelhas.
Trespassava a borboleta um alfinete comprido, fixando-a a uma placa de cortiça.
Num canto da mesa, o Mestre Jacobus pousou uma coroa de pão, um queijo e uma garrafa.
— Aí tens a malfeitora — informou, ao perceber que eu olhava para a borboleta.
— Está a sofrer — arrisquei.
— Espero bem que sim! — declarou ele com voz rude.
Esta resposta teve o dom de me impressionar. Olhei espantado o meu anfitrião. “Tem de pagar!”, acrescentou.
O bicharoco continuava a bater incansavelmente as asas. Tinha as patas pousadas na cortiça, girava sobre si próprio, em torno do eixo que o imobilizava, obstinando-se no desejo de voar. As suas dimensões aproximavam-se às de um morcego pequeno. Impressa com nitidez no dorso peludo havia uma caveira, verdadeiro emblema macabro dos corsários, signo do seu papel destruidor. Os olhos enormes brilhavam na sombra, como se fossem pedras opalescentes de reflexos irisados.
— Come e descansa — disse o Mestre Jacobus.
Não podia no entanto desligar-me do espectáculo que à minha sensibilidade parecia quase horroroso. Nunca tinha vista uma borboleta tão grande. Os seus adornos mortuários impressionavam-me. Flagelo como era, e animal nocturno, inspirava-me algum receio e todavia o seu suplício revoltava-me. Não compreendia por que não tinha o Mestre Jacobus destruído logo o animal, sem infligir o longo martírio a que chamava expiação.
— Introduz-se nas colmeias — dizia ele com aspereza — apodera-se da rainha das abelhas e destrói-a; não tarda que todo o enxame fuja para sempre… Olha para a trompa que ela tem.
Com o auxílio de uma agulha, o Mestre Jacobus explorava as mandíbulas da sphinx atropos e desenrolava a espiral negra do apêndice interminável. Nesse instante a borboleta teve uma espécie de queixa, um apelo estranho e colérico, um lamento que apesar de fraco me fez estremecer. Não imaginava possível uma coisa daquelas. Não acreditava que uma borboleta pudesse gritar, mesmo que o fizesse assim, de um modo tão fraco.
O Mestre Jacobus divertiu-se com o meu pavor. Irritava a vítima com a ponta da agulha, trespassava-a com a ferocidade do seu olho direito.
Desejava ver-me lá fora o mais depressa possível. Engoli rapidamente uma bucha de pão e uma talhada de queijo. Quando saímos recebi a minha primeira lição prática de apicultura.
Ao anoitecer já eu esquecera em parte aquela sphinx atropos. O zumbido fúnebre, porém, não tinha cessado. No silêncio do crepúsculo chegava a ganhar uma amplitude temível e fazia-se acompanhar de um chiado que me causava um mal-estar dos mais insuportáveis. Uma agonia daquelas podia durar muito tempo, dois dias, três dias, e eu contava poder abreviá-la sem que fosse traída a minha intervenção.
O Mestre Jacobus, que dormia despreocupado na sala grande, cedera-me o quarto contíguo. Obcecado pela borboleta, só muito tarde adormeci, e apesar da porta fechada imaginava ouvir o tremor convulsivo das suas asas.
De madrugada apanhei-me sentado na cama, banhado em suor e de ouvido atento ao insuportável murmúrio. Já não podia tolerá-lo por mais tempo… Abri a porta devagar, com mil precauções… dirigi-me em passos silenciosos para a mesa… O Mestre Jacobus dormia sossegadamente. Eu ia olhando para o rosto adormecido cujas pálpebras, naquele momento fechadas, impediam que testemunhasse a sua enfermidade…
 Foi nessa altura que eu vi qualquer coisa atirar-se ao seu olho direito, a sombra de uma borboleta enorme pousar de repente em cima dele… O Mestre Jacobus deu um grito impressionante.
Hirto, enlouquecido pelo sofrimento, mas não percebendo ainda que espécie de inimigo acabava de o atacar, foi por instantes a imagem do perfeito horror. Vi-o então como o vejo agora, a gritar, pavoroso e fantástico, tendo agarrada à órbita aquela borboleta de morte liberta à força de tenacidade, e que ao voar levara consigo o longo alfinete do martírio, e se atirava esgotada, ao acaso, sobre o carrasco, trespassando-lhe o olho cuja perda iria privá-lo da luz para todo o sempre. “Ao acaso”… talvez. Mas depois disto, já não é sob a forma de um gracioso jovem de olhos vendados que eu imagino o cego Acaso.


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