3 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 338

Efemérides 3 de Dezembro
Joseph Conrad (1857 - 1924)
Józef Teodor Nałęcz Korzeniowski, nasce em Berdychiv, Ucrânia. Berdychiv pertencia anteriormente à Polónia, razão pela qual o autor é referido como tendo origem polaca. Presta serviço na marinha mercante durante uma dezena de anos o que irá marcar a sua escrita. Autor de romances e short stories inicia-se na escrita aos 30 anos, sendo considerado um dos maiores escritores de língua inglesa. Na literatura policiária é um dos mestres de narrativa espionagem e por isso um autor a incluir no
Dicionário de Autores Contemporâneos da Narrativa de Espionagem, destacam-se os seus dois romances mais famosos: The Secret Agent (1907) e Under Western Eyes (1911)

Fanny Siwers (1928 - 1981)
Karin Bang nasce em Oslo, Noruega. Consagrada poetisa, romancista e autora de livros infantis escreve também dois livros policiários sob o pseudónimo Fanny Siwers: Mord I Måneskinn (1956) — Morte ao Luar em tradução literal — e Seilas med døden(1960) — Cruzeiro com a Morte em tradução literal.


TEMA — DIÁRIO DE UM ADVOGADO — PREGAÇÃO AOS ENCARCERADOS
Esperávamos Os nossos constituintes na antiga Casa de Detenção. O dia estava belo e Os presos passavam por nós, parecendo indiferentes à condição de presos. Um ar natural e, por isso mesmo, um pouco cínico. Em fisionomia alguma a expressão do castigo ou a angústia da carceragem. Bom e mau, pensava Bom, porque talvez isso reflita uma administração sábia e humana. Mau, porque pode ser que essa naturalidade, esse jeito de quem esta em casa, registe aquilo que nós, os advogados criminais, já temos surpreendido nas várias incursões obrigatórias por essa triste realidade carcerária — no livro na doutrina, estaria o sonho romântico e irrealizável.
Aqui, na vida prática, a hipocrisia que se mostra, por exemplo, na certeza de que os detentos de estrelinha ao ombro, os padrões de bom comportamento presidiário são, quase sempre, os elementos mais temíveis… Os que se adaptam gostosa e calculadamente ao regulamento e deixam os ponteiros do relógio fazer o resto…
Os revoltados, os inconformados, os que se desesperam e explodem e vão bater na sinistra solitária, talvez sejam, mesmo, os que devem ser aproveitados. Moral e socialmente. Porque são aqueles que não reflectem na infração criminal o próprio temperamento…
Por essas e outras é que não gosto de visitar as casas de castigo e de readaptação.
Só os ingénuos deixam de ver o que esta gritantemente ostensivo e claro — a infinita hipocrisia humana. Desde a direcção, distribuindo prémios aqueles que sabe os mais perigosos, uma vez que estes são os de mais intimidade com os regulamentos, até às solenidades retumbantes da liberdade condicional.
A população carceraria reunida para o espectáculo. E para os discursos. E que discursos! Lembro-me de um em que tomou parte um colega de turma. Um homem só. Sempre foi assim, o M. L. Vazio de tudo. Na Faculdade fazia intrigas sob pretexto de política universitária. Foi ele quem denunciou um colega nosso como filho da dona de uma pensão alegre. Só vendo a alegria safada, pequenina, sórdida, com que ele se dispôs a espalhar pelos quatro cantos que o colega é filho de Z. Vivia discretamente esse companheiro bom, temo, querido por todos, Notávamos nele, lá isso notamos desde o começo de nossas vivências universitárias, uma espécie de tristeza orgânica. Existe sim. E como se a tristeza fosse tão grande, tão grande, que contamina o corpo todo, de onde ela como que também se desprende… Muitos anos depois vim encontrá-la, essa tristeza orgânica. Em uma senhora, jovem ainda, casada e que fora ao escritório pedir o meu interesse profissional para o irmão. Senti nela essa tristeza. Não tinham filhos. E ambos queriam ter filhos. Mas voltando ao M. L., pois vou encontra-lo na festa carcerária (ah! meu Deus, que indecência nessas duas palavras quando unidas). Começou assim o pandego: Senhores encarcerados
Um tiro de revolver no meu ouvido não me teria feito major reacção. Só mesmo um animal como M. L., forrado de insensibilidade, poderia usar de tais expressões. Senhores encarcerados… A contradição, a mentira, o ridículo, o solene, tudo isso de mãos dadas, dançando ciranda com trejeitos de rock num velório. Como falou sobre o mal, o crime, a recuperação dos senhores encarcerados, a política criminal na Franca, na Itália, no Brasil, citou o livro de Lemos Brito sobre o Problema Sexual dos Detentos (esse livro vale pela compilação doutrinária mas… na hora de concluir e após apresentar a brutalidade do fenómeno sexual com excepcional fidelidade, a conclusão é humorística… mais humorística ainda porque nos presídios actuais Iá estão os parlatórios, os locais oficialmente determinados e oficialmente aparelhados para o encontro dos casais. E parlatório, porque neles a conversa é glandular, é sexual, é humaníssima dentro desse insuportável farisaísmo do Estado que faz as vezes de peru em relação a esse problema.
Por falar em parlatório, há de tudo. Critérios têm de haver. Se todos fossem casados no civil… mas há os que se casam só religioso, há os que não estão casados, mas têm filhos… há os que estão amigados com respeitabilidade e os que… não estando nessa catalogação, são homens e tem direito palavra, ora essa. Qual o critério?
Ora o critério… Sei de um guarda cuja função no Presidio é preparar o expediente com informação como se investigação se tratasse, para habilitar a visita. Tem uma tabela esse expediente. O curioso é que a mulher, assim solucionada para um, pode ser a solução para muitos, pois… são arrebanhadas no baixo meretricio.
Mas o M. L. estava feliz. Ao lado dele, duas jovens assistentes sociais, beatificamente acreditando na regeneração dos senhores encarcerados.
Bem consideradas as coisas, onde estaria o verdadeiro Crime nessa cena?


TEMA — DESORDENS EM PICCADILLY
De J. J. Marric
Valente, amável, perspicaz, amigo de família, “detective infalível com os métodos tradicionais, eia o inspector Gideon, comandante do Departamento de Homicídios da Scotland Yard.

É natural que outros lugares pretendam ser o centro do mundo, mas na opinião de Gideon este era Piccadilly. Já Piccadilly o fascinara quando não passava ainda de uma criança e ainda exerce sobre ele a mesma fascinação, mesmo agora, quando é o Comandante do Departamento de Investigações Criminais da Força da Polícia Metropolitana.
Gideon conhecia Piccadilly como a palma da sua própria mão. Mas a pequena explosão de vadiagem e arruaças ocorrida lá, certa noite quente de verão, preocupou Gideon. Os bêbados perdem, às vezes, o controle.
O segundo incidente em Piccadilly foi bem mais sério. Ocorreu três noites mais tarde: Polícia Sturgeon, da Divisão Central de Londres estava de ronda… sozinho. Ele sabia que o seu próximo serviço era o de auxiliar na evacuação do tráfego na hora da saída dos teatros, e os polícias a paisana encarregar-se-iam, enquanto isso, dos s carteiristas que escolhiam aquela hora para um “trabalho”.
Subitamente, Sturgeon notou um grupo de rapazes bem vestidos e barulhentos que saía de uma das ruas laterais. Avançou para o grupo, na esperança de que o uniforme acalmasse os integrantes.
Qual nada. Os jovens aumentaram mais ainda a barulhada que já faziam. Eram seis.
Com a aproximação do polícia fardado, os jovens fizeram um cordão, fechando completamente a calçada no ponto onde Piccadilly entra na Rua Coventry. Todos os que vinham à frente e atrás dos jovens ficaram subitamente bloqueados.
Sturgeon compreendeu imediatamente que os rapazes faziam aquela bagunça deliberadamente.
— Acabem com isso, gente — pediu o polícia delicadamente.
Mas nenhum dos seis jovens disse nada.
Sturgeon teve apenas um lapso de segundo para perceber o que aconteceria em seguida.
Esmagaram-no literalmente. Um deles atracou-se ao guarda e os demais caíram-lhe em cima.

Fugiram — reportava o Superintendente Lemaitre, braço-direito de Gideon, na manhã seguinte. — Formavam um bando de transviados. A divisão mandou para o local uma dúzia de homens, que lá chegaram em cinco minutos, mas era tarde demais. Alguns transeuntes tentaram apaziguar os agressores, mas receberam também alguns bofet6es. E esta já foi a segunda vez, Gideon.
— E Sturgeon, como está? — perguntou o inspetor.
— Levou vinte e sete pontos.
— Pode falar?
— Só amanhã.
— Providencie para que a Central verifique entre os homens deles, e faça o mesmo entre os nossos. Veja se consegue qualquer descrição dos assaltantes e se algum deles pode ser identificado entre os que fizeram arruaça semelhante na semana passada.
Lemaitre não se surpreendeu no dia seguinte, quando Gideon anunciou que iria ao Hospital Charing Cross, para onde tinham levado Sturgeon.
Logo que pode falar, o próprio Sturgeon declarou que gostava realmente daquela parte da cidade sua ronda e não se lembrava de ter vista antes qualquer dos agressores.
— Na realidade, senhor, — acrescentou Sturgeon — tive a impressão de que me agrediram apenas para distrair-se. Pareciam estar apenas a brincar.
Gideon providenciou, depois disso, melhor policiamento em Piccadilly Circus e deu instruções para que se fizesse uma chamada para a Yard caso fosse observado qualquer ajuntamento de jovens transviados nas imediações.
Durante a semana que se seguiu houve três ou quatro alarmes falsos. Por duas vezes Gideon levou Kate, sua esposa, a passear em Whitehall e, dali, dirigiram-se a Piccadilly.
Na segunda-feira da outra semana, um polícia observou um novo ajuntamento de alguns jovens, que pareciam andar à cata de arruaça. Fez sinal para uma radio patrulha e esta pediu auxílio a Scotland Yard.
Dois polícias aproximaram-se do grupo… um pela frente e outro pela retaguarda. Subitamente os jovens começaram a agir exactamente como fizeram com Sturgeon: formaram um cordão que ocupava toda a calcada.
O polícia fardado, já com a mão no cassetete, procurou falar delicadamente:
— Acabem com isso, meninos. Aqui não é lugar de bagunça.
— Bagunça?! — vociferou um dos homens… E todos os outros precipitaram se sobre o guarda.
Mas dois polícias à paisana e mais três fardados caíram sobre os desordeiros antes mesmo que tivessem tempo de dominar o ronda. Após breve luta, dois dos seis conseguiram enfrentar e driblar o intenso tráfego daquela hora e atravessaram a rua, escapando, mas os quatro restantes foram acuados na esquina.
Uma carrinha da polícia chegou logo ao local e os transviados foram detidos por perturbação da ordem.
Na manhã seguinte, Gideon compareceu ao juiz enquanto eram ouvidas as acusações. O promotor pedia a prisão para os desordeiros.
— Realmente não vejo necessidade de tal prisão — disse um jovem advogado que se apresentara como defensor dos rapazolas. — Estes jovens são homens trabalhadores, oriundos de boas famílias. Pertencem todos a um clube social em Victoria e jamais se meteram em confusões antes. Apenas beberam um pouco além da conta e perderam a cabeça.
— Ora… Que diz o senhor a isto, Inspector-Chefe? — perguntou o magistrado a Gideon.
— Precisamos de algum tempo para podermos obter mais informações sobre os acusados, senhor.
— Compreendo… compreendo. Muito bem. Mandarei reencarcerar as culpados por oito dias, ao fim dos quais prestarão fiança de vinte e cinco libras cada um. Podem conseguir as vinte e cinco libras?
— Sim, senhor — responderam todos, em coro.
— Queremos descobrir o máximo possível sobre eles — disse Gideon. — E precisamos saber também mais sobre o clube. Ah, sim… E temos que ver se Sturgeon reconhece alguns deles.
Sturgeon não reconheceu nenhum.
— Se quer saber o que penso, Gideon, esses tipos são um bando de selvagens prontos para provocar tumultos e não precisam de nenhum motivo para isso — disse Lemaitre. — E vão recomeçar a qualquer momento. É sinal dos tempos, meu velho. Não há remédio.
— O que é preciso é por um freio nesse clube deles — disse Gideon. — Já descobriram alguma coisa sobre o tal clube?
— Tem setenta ou oitenta membros, de ambos sexos, com idades entre dezassete e vinte e cinco anos — disse Lemaitre. — As actividades são como as de qualquer outro clube.
— Fique de olho vivo nesse negócio — ordenou Gideon.

Foi exactamente quatro dias depois que Lemaitre entrou como um tufãopelo gabinete, juntou as mãos ossudas e exclamou:
— Agora estamos na pista, Gideon. Há uma porção de membros do clube que costumam visitar o Sammy de vez em quando. Sammy é o mais esperto receptador de roubos que temos em Londres. Agora, se pelo menos pudéssemos descobrir porque ele usa aquela rapaziada…Ponha a massa cinzenta a funcionar, Gideon.
— Os rapazes fizeram aquelas desordens para atrair a atenção, é claro — disse Gideon. — Pretendiam fazer com que nos concentrássemos em Piccadilly, como está realmente a acontecer. Haverá um novo truque destes muito breve e um dia, quando estivermos ocupados, a patrulhar…
— Outros membros do clube irão executar assaltos nas ruas mais afastadas! — Berrou Lemaitre, descobrindo a pólvora.
Três noites mais tarde, tudo se passou assim mesmo.
Desta vez, foram sete os homens que iniciaram inopinadamente uma briga com berreiros e palavrões do lado de fora do Criterion. Quase imediatamente soaram os apitos dos polícias.
Enquanto isso, nas estreitas ruas de Soho, outros jovens assaltaram restaurantes e teatros, roubaram o que puderam e precipitaram-se… para os braços da polícia, que já os esperava.

— Mas como foi que descobriu o truque deles? — Perguntou Lemaitre.
— Na realidade, demorei demasiado tempo a entender — disse Gideon. — Tinha a certeza de que ninguém iria provocar confusão no Circus a menos que quisesse arriscar-se deliberadamente a ser preso. Mas aqueles rapazolas eram peritos demais quando fugiam; não podiam ser apenas bêbedos ou jovens transviados. Foi dai que comecei a desconfiar.

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