12 de agosto de 2012

CALEIDOSCÓPIO 225

Efemérides 12 de Agosto
Mary Roberts Rinehart (1876 – 1958
Nasce em Allegheny City, Pensilvânia, EUA. Enfermeira de formação, começa a escrever por necessidade, devido a dificuldades criadas por perdas financeiras; publica o primeiro conto em 1903 na revista Munsey. Os romances The Men In Lower Ten (1906) e The Circular Staircase (1908) alcançam um sucesso imediato. Passa a escrever com regularidade, publicando em média um livro por ano; cria as séries Miss Cornelia Van Gorder, Letitia (Tish) Carberry e Hilda Adams, escreve peças para teatro, publica várias colectâneas de contos e dezenas de livros policiários, num estilo próprio (VER TEMA) que mistura, criatividade, amor, mistério e humor. A sua autobiografia, My Story é publicada em 1931. Autora muito popular como escritora de mistérios, conhecida como a Agatha Christie americana, recebe em 1954 o Special Edgar Award pelo seu último livro The Frightened Wife and Other Murder Stories (1953). Em Portugal estão editados:
1 - O Mistério Da Escada De Caracol (1948), Nº12 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Circular Staircase (1908).
2 - O Homem Da Cama Nº10 (1951), Nº48 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Man In Lower 10 (1909).
3 – A Cicatriz Reveladora (1961), Nº166 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Case Of Jennie Brice (1919).
4 – O Êxtase Perdido (1972), Nº28 Colecção Romance, Editora Dêagá. Título Original: Lost Extasy (1927).
5 – O Navio Sinistro (1972), Nº30 Colecção Romance, Editora Dêagá. Título Original: The After House (1914).
6 – O Candeeiro Vermelho (1975), Nº332 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Red Lamp (1925).
   

TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — UMA EVOLUÇÃO NARRATIVA
Por M. Constantino
Podemos afirmar, sem receio de desmentido, que Rinehart é a criadora de um novo estilo de escrever narrativa policiária. Com “the Circular Staircase” publicado em 1908, que é também a sua primeira obra no género, ultrapassou a fórmula clássica de “vítima – detective – investigação, na qual o detective ou investigador é a figura central, retirando-lhe a relevância, secundando-a quando existe, cedendo o lugar a outra pessoa, em regra a vítima ou vítimas — também, em regra mis do que uma — que domina toda a acção da narrativa. O sistema é seguido por outros autores, a ponto de ser criada uma classificação própria, a “mystery stories” para caracterizar estas narrativas, em oposição à tradicional “detective stories”. Na fórmula de Mary Roberts Rinehart o detective, se existe é uma figura de segundo plano em relação à vítima ou às vítimas cujos temores e incertezas vão marcando a trajectória do assassino em benefício de leitor que vai acompanhando a sua acção a par e passo. De salientar que sendo relevante para a história narrativa, aquela história de Mary Roberts Rinehart, que de resto é um bom livro, não deixou de merecer críticas por parte de outros autores, alguns dos quais afirmaram que “tinha todo o ar de ter sido e ter sido escrito para tias solteironas”, já que com toques de melodramatização, por vezes romântica por vezes romântica, envolvendo pessoas comuns em situações terríficas (na obra em causa a heroína encontra-se encerrada com o assassino num quarto secreto por detrás de uma enorme chaminé) que podem acontecer a qualquer pessoa comum e em qualquer parte do mundo.

Mary Roberts Rinehart

  
TEMA — CONTO POLICIÁRIO — A FORQUILHA
De Natércia Leite
Eu não era nada de namoros e até pelo contrário era arisca e bravia. E bem sabia que era uma das raparigas mais bonitas lá do sítio, e das mais requisitadas. Pretendentes não faltavam e o Jerry Foster, que quanto à idade podia ser meu pai, não me dizia nada mas eu compreendia que andava caído de todo.
Nunca eu e a minha mãe conseguiríamos pagar a Jerry Foster tudo quanto fizera por nós desde que o meu pai morrera. E, se assim não fora, teríamos soçobrado na vertical, como é costume dizer-se.
Emprestou-nos dinheiro sem juros, homens para trabalhar, máquinas nas alturas próprias que eram necessárias nos trabalhos do campo.
Sem interesse aparente. Apenas desejando lá no íntimo que ou o olhasse doutro jeito a lhe desse uma esperança — coisa a que ainda não me decidira.
Por altura das festas apareceu por ali um mocetão de “cinema”, como entendi chamar-lhe. Alto e musculado, de pele bronzeada, cabelos cor de areia e os olhos com o tom do mais profundo dos oceanos.
Começou logo de volta das raparigas e era-lhe facílimo conquistá-las. Um olhar, umas palavras dos “velhos” manuais amorosos… e pronto!
Comigo não. Nada. Esquivei-me. Mostrei-me arisca e do modos rudes cara fechada.
Mais se lhe avivou o interesse.
E quanto mais esquiva eu me mostrava mais ele apertava o cerco, desesperado e pateticamente apalermado…
Depois todas aquelas coisas horríveis aconteceram no domingo, no dia do baile.
Dancei com todos; até mais que uma vez com alguns. Rodopiei com Jerry Foster. Mas com o forasteiro só uma dança. Lá me levou ele pela sala como uma pena nos seus braços fortes, apertando-me, a ciciar coisas loucas aos meus ouvidos.
Mas não acedi a dançar outra vez e mais outra e outra quando me veio buscar, até que às tantas saí zangada pela porta fora da sala do baile e ele atrás furibundo e afogueado.
Quis-me agarrar e empurrei-o e larguei a correr na direcção dos estábulos.
Ele foi atrás de mim, correndo com um gamo e lá entrámos no palheiro, onde ele me agarrou.
Lutámos com genica.
A atmosfera estava morna do calor dos animais. Vi-me envolvida pelos braços possantes do rapaz e prostrada na palha.
Quando dei por mim, ali estava ele caído, de costas, descomposto, os olhos. Muito abertos e arregalados, e uma forquilha cravada profundamente no seu peito.
Era sangue por todos os lados. Na minha roupa, na palha, aos borbotões, a sair das feridas do peito dele.
Gritei, gritei até enrouquecer.
Juntou-se um mar de gente. Foram precisos dois homens para arrancarem de peito do forasteiro a forquilha afiada. Mas já nada havia a fazer. Ele estava morto.
Jerry Foster amparava-me e toda eu tremia como haste ao vento.
Seguiram-se depois uns tempos muito desagradáveis.
No julgamento eu mal conseguia depor e os pormenores eram penosos e até escabrosos.
Mal me faziam as perguntas eu desatava num pranto convulso, as mãos enrodilhadas uma na outra, a cabeça baixa, os olhos no chão.
Jerry Foster arrajou-me o melhor advogado da cidade. Tudo era a meu favor. Tudo contra o forasteiro. Foi decretada legítima defesa, pena ligeira e suspensa.
Saí em liberdade.
Ando matutando que era bom convencer a minha mãe a desandarmos para outras terias, outras bandas. Vender, pagar as dívidas, desaparecer…
Não conseguiremos nunca pagar a Foster tudo quanto fez por nós.
Por isso é que eu não digo, não posso, não consigo dizer que foi ele que espetou com quanta força tinha a forquilha no peito do rapaz! O menos que eu podia fazer era ocultar a verdade e confessar-me culpada. Embora no meu íntimo não lhe perdoasse.
Porque mal sabia ele que eu com as minhas artimanhas de mulher bonita e os meus modos esquivos tinha conseguido, de propósito, despertar atenção do jovem, fazê-lo rabiar, levá-lo a atitudes mais atrevidas e no dia do baile levá-lo a correr atrás de mim, até ao palheiro. E sentir a sua boca quente na minha, num beijo violento, e sentir com gosto aquela posse animalesca que de há muito desejava. Desejo que, creio, Jerry nunca conseguiria satisfazer.

Sem comentários:

Enviar um comentário