27 de março de 2012

CALEIDOSCÓPIO 87

EFEMÉRIDES – Dia 27 de Março
Joan Fleming
(1908-1980)
Joan Margaret Fleming nasce em Horwich, Lancashire, Inglaterra. Inicia-se como escritora de livros infantis e publica o primeiro policiário em 1949, Two Lovers Too Many. É autora de um total de 32 livros - thillers e novelas góticas. Cria o personagem Nuri Bey Izkirlak, um detective filósofo turco que protagoniza os livros com que vence por duas vezes o Gold Dagger: When I Grow Rich (1962 e Young Man I Think You're Dying (1970).






René-Charles Rey (1934 – 2011)
Nasce em Tunes onde vive até 1964, fixando-se depois em Chilly-Mazarin nos arredores de Paris. Apaixonado por história, ficção científica e banda desenhada inicia-se muito jovem na escrita. No entanto só publica o seu primeiro livro policiário, Descente En Torche em 1974 com o pseudónimo Emmanuel Errer ( iniciais R R do nome) que passa a utilizar nos romances negros com temas de espionagem ou ficção política. Utiliza ainda o pseudónimo Charles Nécrorian na escrita de alguns romances de terror notáveis. Sob o pseudónimo Jean Mazarin publica vários policiários onde os problemas da sociedade são tratados com humor e onde se destacam os seguintes personagens: Esope Mazonetta, um napolitano que depois de uma passagem por Tunes se instala na Côte D’ Azur; Lucien Poirel, o mais jovem comissário de França; Max Bichon, um repórter de assassinatos; Julien Jendrejeski, um agente especial em missões delicadas no estrangeiro; e Frankie-Pat Puntacavello, detective privado em Nice. O autor escreve 50 romance e em 1983 recebe o Le Grand Prix De La Littérature Policière pelo livro Collabo Song (Jean Mazarin).


TEMA — CONTO – A CONFERÊNCIA PEDAGÓGICA
De René-Charles Rey
foi publicado na revista Les Amies do Crime Nº14 (1983?), como “Conto Inédito” escrito em 1956, e aqui se apresenta numa tradução de DJ&JOTA.

Era uma conferência pedagógica como as outras, com essa atmosfera particular que cheirava a passatempo e a tinta violeta. Olhei em volta para tentar deslindar os rostos nas caras atentas. Cada um tinha a sua própria forma para se fazer notar pelo senhor inspector, demonstrado aos colegas o pouco interesse das palavras do homenzinho gordo que se agitava diante do quadro negro Num canto, as professoras mais jovens às vezes galhofavam como estudantes de bancos universitários, desmamadas cedo demais. Na primeira fila, o jovem loiro sonhava, pensando na sua companheira com quem faria amor durante a tarde sobre o sofá do seu apartamento, como todas as quintas feiras. Soltou uma palavra mais alta e corou como se os colegas, de repente detentores de poderes mágicos, pudessem adivinhar o segredos dos seus sonhos.
Diante do quadro negro, o homenzinho procurava penetrar nos segredos de uma psicologia infantil que lhe fugia constantemente. Era um homenzinho bem vestido, com o nó de gravata impecável, cujos sapatos encarniçados contrastavam de forma enervante com o azul marinho do fato. Falava com uma voz clara e por vezes cantante, utilizando palavras simples ou pedantes, por vezes, que denunciavam o antigo professor. Tinha essa aptidão um pouco sisuda que as pessoas de um círculo bem definido adquirem. Partiu cuidadosamente um pedaço de giz, para o impedir de chiar no quadro, sorrindo:
— O importante é o giz. Parti-lo é uma arte.
As primeiras filas fizeram um riso forçado para mostrar que gostavam de piadas. O homenzinho traçou linhas direitas, bem paralelas, de que se orgulhava e preparou-se para inserir um quadro sinopse.
— Tomem notas, porque não encontraram isto em nenhum manual.
Todos se atarefaram e traçaram linhas sobrepostas, procurando inserir o que lhes restava de poesia pessoal. Uma das professoras terminou-as em caracol e mostrou-as às colegas que se divertiram novamente.
De repente senti uma pressão no peito e tive vontade de vomitar. Lembrei-me então da mousse de chocolate, que engoli à pressa antes de me vir sentar, como em todas as quintas feiras, no banco negro e sujo desta escola comunal onde se jogava o meu futuro. Tenho então vontade de me levantar e de gritar, não insultos aos meus colegas nem mesmo contra o homenzinho, mas coisas sem pés nem cabeça, idiotices, só para provar a mim mesmo que, além do mais, eu ainda existia.
O inspector virou-se e o nosso olhar cruzou-se. Ele olhou-me fixamente e eu olhei-o fixamente, imaginando que tivéssemos, talvez, os mesmos pensamentos no mesmo momento. Eu acreditava ter descoberto nos olhos dele uma censura muda, uma desculpa.
— Eu sei que tu não acreditas, nenhum de vocês acredita, mas isso não é da minha conta.
Depois virou-se e consultou uma lista que descobriu na sua agenda:
— Menina Dupréaux, venha apresentar-nos as suas meditações sobre a leitura na escola primária.
Houve sorrisos. A jovem corou e levantou-se, aparentando indignação, mas dentro de no fundo, estava feliz por ir encontrar sua verdadeira juventude diante de um quadro negro. Em qualquer outro lugar, a sua atitude teria sido encantadora, mas aqui pareceu-me inoportuna e irritante. Começou a ler um resumo austero que deve ter encontrado num livro velho com cheiro a mofo e a escola primária. A sala estremeceu. Cada um parecia de repente estar entusiasmado com alguma coisa que desprezara durante toda a semana. Alguns já preparavam os comentários, não parecendo viver senão para dar luta à jovem, como se o que alcançassem nela fosse seu próprio medo. Ela resmungou, procurando incentivo silencioso no olhar paternal do Sr. Inspector.
Enfiei a mão no fundo do bolso interno do fato e os dedos crispados reconheceram o frio metálico da arma. Não sabia como estava no meu bolso, ou porque é que os meus dedos a acariciavam, como se acaricia a anca de uma apaixonada. Deve tê-la guardado inconscientemente esta manhã antes de sair de casa
A jovem ficou em silêncio e um murmúrio de desaprovação encheu a sala. Alguns ansiosamente levantaram o dedo, mas o inspector fingiu não os ver, saboreando devagar o súbito interesse deles pelas coisas em que ele se forçava acreditar. Sorriu inocentemente para a jovem professora e num tom voz condescendente, para tentar marcar o fosso que os separava, declarou:
— Sim menina, mas…
O “Mas” do Sr. Inspector parecia ser o sinal de incentivo que a morte esperava. Não existiu contenção nesta explosão de arrivismo mesquinho. Levantei-me e caminhei em direcção ao Sr. Inspector que não parecia prestar-me atenção, porque iniciava uma longa acusação. Quando passei perto dele, levantou o sobrolho, e em seguida continuou a declamar: — O Sr. Errer tem provavelmente vontade de mijar… pensou ele provavelmente entre duas palavras. Parei em frente do estrado e, lentamente, tirei a arma, então disparei sem pressa, com calma, olhando para os impactos sobre o fato azul-marinho onde apareciam manchas mais escuras.
Quando a arma ficou vazia, deitei-a fora e sai para o pátio, sem sequer ouvir os gritos que sobrevieram o silêncio dos disparos. Foi uma derrota de crianças, que privadas de repente dos pais procuravam agarrar-se a algo que conseguissem entender.
Saí para a rua e dei uns passos na calçada. Estava bom tempo e sol espirrou fachadas. No passeio, à minha frente, uma rapariga veio ao meu encontro. Uma rapariga com traços vulgares com andar de prostituta. Retribuiu o meu sorriso e acentuou o balançar das ancas que me tocaram, mas não a segui. Avancei em passo lento. Os gritos irromperam
— Parem-no… o assassino…o assassino
Parecia que estava a sonhar com uma daquelas histórias de ladrões que haviam feito as minhas delícias durante as aulas de leitura no curso superior. Encolhi os ombros e voltei para trás. Tinha perdido, Eles tinham encontrado um novo mestre
René-Charles Rey (1956).

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