24 de março de 2012

CALEIDOSCÓPIO 84

EFEMÉRIDES – Dia 24 de Março

John K. Butler (1908 – 1964)
Nasce em San Francisco, Califórnia, EUA. Autor de dezenas de contos publicados entre 1935 e 1942 nas revistas Black Mask, Detective Fiction Weekly, Double Detective e especialmente Dime Detective. Os seus personagens mais conhecidos são: Steve Midnight taxista em Los Angeles, Rex Lonergan detective da polícia, Tricky Enright um policia à paisana e Rod Case investigador da General Pacific Telephone Company. Butler é ainda conhecido como um dos mais prolíficos argumentistas de filmes da classe B, westerns, mistério e suspense. Na década de 50 muda-se para a televisão
onde escreve para as séries The New Adventures of Charlie Chan, The Adventures of Dr. Fu Manchu e 77 Sunset Strip, a primeira série de detectives privados na televisão, exibida entre 1958 e 1964.




Donald Hamilton (1916 – 2006)
Donald Bengtsson Hamilton nasce em Uppsala, Suécia e emigra em 1924 para os EUA. É escritor e fotografo a tempo inteiro, começa a carreira literária em 1946 em revistas de ficção e em 1947 publica o primeiro livro Date With Darkness, um romance de espionagem. No campo da literatura policiária escreve um total 27 romances de detective/espionagem. O seu personagem mais conhecido é Matt Helm, um assassino profissional com o nome de código Eric, que trabalha para uma agência governamental e mata sem remorsos é muito mais pragmático e implacável do que o colega britânico, o famoso James Bond. Os romances desta série, The Retaliators (1976) e The Terrorizers (1977) são nomeados para o Edgar Award para Best Paperback em 1977 e 1978.








Lene Kaaberbøl (1960)
Nasce em Copenhaga, Dinamarca. A autora pertence a nova vaga de escritores escandinavos de policiário, embora seja mais conhecida internacionalmente pelos seus livros de fantasia passados na Idade Média e destinados a jovens. Em parceria com Agnete Friis escreve o thriller Drengen I Kufferten / Boy In The Suitcase (2008) proposto para o Glass Key Award, um prémio sueco que distingue anualmente o melhor romance de crime escrito por um autor nórdico.











TEMA — ENIGMA POLICIÁRIO DE TRAJECTÓRIA
Este tipo de enigma tem muitas afinidades com a investigação e técnica policiais correntes. A direcção ou trajectória, ponto material no seu movimento ou linha descrita ou percorrida por um corpo em movimento, revela de imediato, e na generalidade dos casos, os x e y correspondentes ao arremesso e impacto investigados, corrigidas naturalmente, as perturbações ou desvios ocasionais a que houver lugar.
Em balística, diz-se trajectória, à curva descrita pelo centro de gravidade de um projéctil no seu movimento de transladação através da atmosfera. Tem o seu ponto de origem a boca da arma e o limite ou termo, o ponto atingido.
Dos caprichos de uma trajectória de um projéctil nos dá conta um texto mundialmente conhecido, Mostly Murder, de Sir Sidney Smith, professor de Medicina Legal da Universidade de Edimburgo
É evidente que, para um estudo profundo em matéria de balística remetemos os interessados para os vários compêndios existentes, para os efeitos da problemística lembramos, tão só, das vantagens em fixar pontos de movimento. Também a altura do agente que origina a trajectória, a distância e a posição em relação ao atingido, quando não a instantânea identificação daquele, são os resultados extraídos da observação da trajectória.

ENIGMA PRÁTICO — UM CASO SINGULAR
De GUSTAVO JOSÉ RODRIGUES in Quem Foi? (1959)
O meu carro seguia em marcha moderada, o mesmo acontecendo com os dois veículos que me precediam — um carro baixo, de linhas aerodinâmicas e um camião de mudanças; que dir-se-ia absorver com a sua altura o carro da frente.
A meu lado, o inspector Machado criava uma atmosfera alegre com as suas curiosas observações.
De súbito virei a cara, espantado, para a direita, onde, no passeio, um homem alto e bem vestido, que seguia na mesma direcção do automóvel, depois de dar duas voltas sobre si mesmo, caiu redondo por terra, como que fulminado. Instintivamente, e logo que o inspector Machado se apeou lesto, ao mesmo tempo que me dizia para seguir os outros dois carros. Assim fiz; e se depressa alcancei o camião, já o mesmo não aconteceu com o outro veículo que, mais veloz que o meu, cada vez se distanciava mais. A certa altura começou a abrandar e eu pude, então, ver a matrícula. Anotei-a rapidamente, sob a do camião, e voltei a grande velocidade para o local do acidente.
O inspector Machado, rodeado de alguns curiosos, poucos, pois a rua era pouco concorrida, debruçava-se sobre um corpo, assim como um polícia de giro.
Aproximei-me. Da cabeça da vítima o sangue brotava abundantemente.
Indisposto com tão triste espectáculo, afastei-me um pouco. As janelas das casas próximas eram todas altas e não tinham persianas — o género de habitações antigas. Começava a sentir-me um pouco melhor quando o inspector me fez um sinal e se encaminhou para o automóvel. Entrámos e afastámo-nos do local em silêncio.

Naquele instante passavam alguns peões? — perguntei ao inspector, mal nos acercámos do edifício policial.
— Sim. Um que seguia um pouco atrás do pobre homem e que se preparava para o ultrapassar.
— Viu-o?
— Absolutamente. Seguia colado à parede, pois o passeio é bastante estreito. No outro não reparei porque ia muito à frente, quase no outro extremo da rua.
Entretanto, tínhamos chegado ao gabinete do inspector. Ali, depois de atirar o casaco para uma poltrona, o polícia perguntou-me:
— E por que esperas, meu rapaz? Tomaste conta da ocorrência?
— Claro — disse eu, ligeiramente perturbado. — Aguardemos, porém, o relatório médico.
Decorrida quase uma hora, uma ordenança entrou no gabinete, portadora do relatório pelo qual eu tanto ansiava.
O inspector leu-o rapidamente. Finda a leitura, acendeu um cigarro e pôs-se a passear de um lado para o outro.
— Toma, meu rapaz. — disse, estendendo-me o relatório. — É fácil, mesmo muito fácil. A bala alojou-se à direita, junto à sutura do parietal com o temporal. Foi disparada à distância de quatro a seis metros. A sua trajectória fez-se na oblíqua ascendente.
Não tive necessidade de ler o relatório, O meu amigo inspector poupara-nos esse trabalho. Na verdade, o caso era fácil.
— Exacto -disse o inspector, após ter escutado as minhas deduções. Exacto…
Quem matou? Pense um pouco.
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TEMA — HUMOR — EM LOUVOR DO MÉTODO DEDUTIVO
Felix da Picota,
um dos grandes do Policiário dos anos 50, honrou-nos com uma paródia dos excessos de confiança de Sherlock Holmes
.

Li uma vez, num romance policiário, uma coisa que me fez rir: o detective tinha, deduzido que tal personagem era procedente da Escócia porque tinha reparado numa pequena mancha de lama seca, cor de rosa ou com tons violáceos, na dobra da calça… Ninguém poderá negar que Sherlock Holmes tem muito disto, e é aí que reside o seu maior mérito. Mas agora encontro-me em condições de provar, com uma experiência pessoal, o valor e a eficácia do método dedutivo.
Foi um livro, cujo nome esqueci, que me deu o gosto de experimentar. Encontrei-me, assim, em frente a um par de sapatos, analisando-os. As pasmosas conclusões a que cheguei — afirmo-o — são absolutamente verdadeiras, nos seus mais pequenos pormenores.
A primeira dedução que fiz poderá parecer irrisória a qualquer espírito menos prevenido mas revela de forma inequívoca o método seguido: o dono dos sapatos era um homem, porque aquele era um par de sapatos para homem! Tinha de altura precisamente 1,74 metros, e pesava 72,300 kg. Era pessoa remediada, porque tinha podido comprar aqueles sapatos — se já os tivesse pago, é claro. E era desleixado, sem personalidade e sem a mínima percentagem de bom gosto, porque os sapatos eram impossíveis, duma cor impossível, e estavam sujos e por engraxar... Trabalhava num escritório, porque a sola interior estava colada com cola tudo. E era patriota, porque a cola--tudo era nacional. Chamava-se Epaminondas (na realidade, só uma pessoa chamada Epaminondas era capaz de comprar sapatos como aqueles). Tinha 43 anos e três meses, e era casado: o cabedal da parte superior estava riscado, com marcas que só podiam ter sido feitas por uma vassoura de varrer a casa. E era casado com uma morena, porque encontrei, caído sobre um dos sapatos, um longo cabelo loiro. Tinha um calo no pé esquerdo, no sítio em que vi, pela parte de dentro, uma reentrância. Não usava o tónico capilar “Foi um ar que lhe deu”, porque o exame microscópico revelou a presença de caspa caída nos sapatos, e só tem caspa quem não usa o tónico capilar. “Foi um ar que lhe deu”…
Outros objectos que encontrei dentro dos sapatos (um pequeno seixo, uma ferradura, uma luva de boxe, um bilhete de carro eléctrico e fragmentos duma caneta esferográfica) conduziram-me às seguintes conclusões: o nosso homem era gago, supersticioso, de espírito prático mas acanhado, e com o sistema nervoso avariado. Ainda desta vez exporei a maneira como cheguei a tais resultados:
1) Gago — em virtude do seixo; lembremo-nos de Demóstenes e de como curou a sua gaguez;
2) Supersticioso — por causa da ferradura (diga-se, em abono da verdade, que se tratava duma pequena miniatura em latão;
3) De espírito prático —a luva de boxe estava desenhada num bocado dum jornal, que ele tinha a tapar uma fenda do sapato;
4) Acanhado—hábito, ou defeito, que adquire toda a gente que anda de carro eléctrico.
5) Sistema nervoso avariado — caneta esferográfica… e não é preciso dizer mais nada!
Direi ainda alguns outros resultados a que cheguei, embora omita o processo dedutivo, que é sempre o mesmo, por me parecer que apresentei já exemplos em número suficiente. Insisto, porém, em que as minhas conclusões, embora possam surpreender pelo inesperado, são absolutamente verdadeiras. Assim, soube que ele morava num 5º andar com elevador; que o porteiro do prédio se chamava Baptista; que tinha um tio rico na Venezuela, dono duma fábrica de pavios para velas e que não havia meio de morrer; que nas horas vagas se dedicava a fazer escritas por fora; e, para finalizar por agora (se relatasse toda a minha observação, nunca mais acabaria), a mais estranha e incompreensível de todas as deduções no género, jamais feita por um ser humano: o nosso homem tinha espirrado três vezes seguidas, em dia e hora que fixei rigorosamente, na sala de jantar de 2ª classe de um navio para o Brasil, com escala pelo Funchal, onde ele desceu para visitar um primo que estava com a varicela e que lhe pagou a passagem!
Aqui fica uma ligeira amostra do muito que se pode conseguir empregando simplesmente um pouco de dedução e raciocínio. É com entusiasmo que recomendo a toda a gente este método. E oxalá a minha experiência desperte a curiosidade do leitor. Você, que me está a ler, analise hoje mesmo um par de sapatos. Verá as admiráveis mas verdadeiras conclusões a que chega.
Principalmente se pegar nos seus próprios sapatos, que foi o que eu fiz!




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